Morro do Careca: por que a erosão acelerou e ameaça uma das dunas mais famosas do Nordeste
Duna é um dos principais cartões-postais de Natal e corre risco de desmoronamentos na base. Imagem produzida por pesquisadores da UFRN mostra diferença da a...
Duna é um dos principais cartões-postais de Natal e corre risco de desmoronamentos na base. Imagem produzida por pesquisadores da UFRN mostra diferença da altura do Morro do Careca ao longo de 17 anos Projeto Falésias/Reprodução Principal cartão-postal de Natal e uma das dunas mais famosas do Nordeste, o Morro do Careca enfrenta um acelerado processo de erosão. Além de perder areia na sua base, onde falésias com cerca de dois metros estão visíveis, a duna diminuiu ao longo das últimas décadas. Participe do canal do g1 RN no WhatsApp 👉Em 17 anos, entre 2006 e 2023, o topo do morro perdeu 2,7 metros de altura. Saiu de 66 metros para 63,3 metros, segundo um artigo publicado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). A área perdida equivale a 318,5 m³. 🔎 Contexto: O processo de erosão do Morro do Careca foi percebido na década de 1990. Pesquisadores apontam que os motivos para a erosão na área são, dentre outras coisas, o avanço do mar e a intensa ocupação da linha de orla com imóveis. A praia de Ponta Negra, onde fica o Morro do Careca, passa por uma obra de alargamento da faixa de areia e pesquisadores acreditam que isso pode mitigar a erosão causada pelo impacto das ondas na base do morro. ⚠️Na década de 1990, banhistas e turistas escalavam o morro livremente. No entanto, a prática foi proibida em 1997. A base do morro recebeu cercas, porém, ainda assim, são registrados casos de desobediência de moradores e turistas, que insistiam em escalar a duna. Um relatório produzido pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) em 2023, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), constatou intensificação das erosões e risco “muito alto” de deslizamentos. O relatório recomendou que o acesso ao topo do morro permanecesse restrito a técnicos e pesquisadores e que a área isolada em frente à duna, no nível da praia, fosse ampliada. Imagem no relatório da Defesa Civil aponta risco de acidentes com desmoronamento de material no Morro do Careca Reprodução Em setembro de 2024, a Defesa Civil publicou um relatório e informou que houve uma aceleração do processo de erosão, inclusive com formação de voçorocas (desgastes provocados pela erosão), ampliando o desgaste do terreno e gerando o risco de desabamento em locais com circulação de pessoas. A Prefeitura de Natal decretou situação de emergência, isolou uma área na frente do morro e retomou a execução de uma obra de engorda da praia de Ponta Negra. O aterramento começou em setembro na Via Costeira, a cerca de 4 km do Morro, e deve chegar à base da duna em meados de janeiro, segundo a Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo da capital. A obra já passou dos 70% de execução. Área próxima ao Morro do Careca é isolada em Natal Motivos para a aceleração da erosão Professor do Departamento de Geografia da UFRN, Rodrigo Freitas coordena o projeto Falésias, que estuda a erosão na área costeira do estado e explica três motivos pelos quais o patrimônio vem sofrendo uma aceleração do processo erosivo. Com o aumento da construção de grandes barragens, principalmente entre as décadas de 1950 e 1970, os sedimentos passaram a ficar retidos nos rios. O professor explica que os rios são os principais responsáveis por levar esse material para as áreas de costa e repor a areia das praias. “Como tem menos areia, a erosão avança”, diz. Outro fator é a elevação gradativa do nível do mar em função das mudanças climáticas, que faz com que as ondas atinjam a base do morro. O professor também aponta a intensa ocupação da linha de orla com imóveis, como outro motivo para o aumento da erosão. “As construções tiram a disponibilidade de areia que se move ao longo da linha de costa”, pontua. Área próxima ao Morro do Careca foi interditada em setembro Vinícius Marinho/Inter TV Cabugi Segundo o professor, esses três fatores contribuem para a erosão costeira em todo o mundo e também na praia de Ponta Negra. No caso específico do Morro do Careca, ainda há outro fator que acelera a erosão, segundo o especialista: a face da duna fica voltada para a parte interna (côncava) da praia, que é uma baía, o que a torna mais impactada pela erosão. “A parte interna da baía é a que tem mais erosão por causa da hidrodinâmica marinha. A ponta gera uma refração de onda e faz com que a parte interna seja mais erodida. Além disso, adicione esses três elementos que apresentei anteriormente, e a erosão se amplia”, diz. O Morro do Careca é uma duna que se formou em cima de rochas mais antigas, do tipo arenito, que é o tipo de material que forma as falésias. Segundo o pesquisador, o local já foi uma falésia, cerca de seis mil anos atrás, quando o nível do mar estava mais elevado, e depois foi recoberto pela duna. De acordo com o professor, a base do morro, que atualmente é uma “parede” com cerca de 2 metros de altura, pode ter colapso e queda de blocos, o que causa risco para banhistas que fiquem muito próximos dele. Para Freitas, embora possa mitigar a erosão causada pelo impacto das ondas na base do morro, a engorda da praia não deverá resolver plenamente a erosão, porque também é preciso garantir o reabastecimento de areia. Segundo o professor, a duna é “alimentada”, ou mantida pela areia que o mar deposita na praia de Alagamar, localizada atrás do Morro do Careca, em uma área militar. A areia é levada da praia para o morro pelo vento. Porém, esse processo diminuiu. “O problema ali não é só a erosão na base do moro. Há também uma diminuição do sedimento que chega, porque a duna é móvel. O vento vai removendo também esse material. E a reposição de sedimentos é menor que a taxa de saída”, destaca. O pesquisador defende investimento em pesquisas e levantamentos anuais que possam aferir o volume que está chegando e saindo do morro, a fim de se buscar soluções para a manutenção do patrimônio. “O morro não vai desaparecer da noite para o dia. O problema não é o desaparecimento do Morro do Careca, o problema é a mudança na forma. A gente está acostumado a ver uma forma, isso se chama pareidolia, que é a associação daquela paisagem com uma careca humana. Quando se fala de Morro do Careca, todo mundo já cria uma imagem na mente. Se essa forma evolui, modifica, você perde essa associação visual de identidade do morro”, ressalta. Situação ficou mais crítica no último ano, diz prefeitura Um relatório emitido em setembro pela Defesa Civil de Natal levou a prefeitura a decretar situação de emergência, interditar a área da praia próxima do morro e começar a obra de engorda antes de receber o licenciamento ambiental para exploração de uma nova jazida de areia que tinha sido encontrada. Segundo o Secretário de Meio Ambiente e Urbanismo da cidade, Thiago Mesquita, a análise técnica constatou surgimento de “cavernas” no morro, bem como a exposição das raízes da vegetação sobre a duna. “Aumentou a intensidade da erosão, formando verdadeiras cavernas na base no morro. E quando vai para a parte de vegetação, aí foi que a coisa se tornou mais crítica, porque nós conseguíamos ver a areia da praia olhando por trás da vegetação, ou seja, se formando túnel, um caminho erosivo, que deixou várias raízes de vegetação expostas podendo a qualquer momento cair, inclusive com a força do vento, não necessariamente da maré. Intensificou demais o volume do material retirado em 12 meses na base do morro”, diz. Além da força da maré e dos ventos, a Defesa Civil municipal incluiu no relatório a erosão causada pela chuva. “De acordo com INMET, os meses de janeiro a julho de 2024 registraram precipitações maiores do que o mesmo período do ano anterior, tendo sido registrada uma média mensal acumulada de janeiro a julho de 2023 de 95mm de chuva, enquanto que a média mensal acumulada para o mesmo período de 2024 foi de 266mm”, diz o relatório. No entanto, Mesquita considera que a maré e os ventos são o principal fatores de erosão. “Em relação aos ventos, nós não temos o que fazer. Não tem como colocar uma barreira para impedir que o vento chegue ao morro. Mas com o aterro hidráulico, com a diminuição da principal contribuição erosiva que são as marés, que é a dinâmica costeira, a gente vai ter uma retroalimentação do morro, a médio e longo prazo, muito maior do que o emagrecimento que vai ser ocasionado pelos ventos”, considera. O secretário afirmou que a engorda, aliada a outras obras do município na orla, como a requalificação da drenagem e conclusão do enrocamento (proteções de pedra e concreto contra os impactos das ondas no calçadão", darão estabilidade para a orla, nos próximos anos, mas reconheceu que não é possível recuperar o morro para torná-lo o que já foi. “Eu acho muito difícil recuperar exatamente como o morro era, aquele véu de areia caindo, mas eu acredito que boa parte da feição do morro certamente será recuperada”, finaliza. Obra de engorda na Praia de Ponta Negra com o Morro do Careca ao fundo Igor Jácome Veja os vídeos mais assistidos no g1 RN